Meus dois filhos me mostraram que aprender a ler e escrever pode ser um processo cheio de dor, frustração e até desespero. O João, por exemplo, tem dislexia e disgrafia (TDAH, TAG e ainda me arrisco a dizer, pela minha experiência e por eu ter altas habilidades, que na verdade ele tem AH/SD e todos os outros sintomas são comorbidades). Ele chegou ao 6º ano escrevendo apenas em letra bastão e ainda precisa de um acompanhante na sala, porque, sem esse apoio, se perde no meio das tarefas.
Mas será que o João tem dificuldade de aprendizagem? Depende da forma como a gente olha para ele.
Esse mesmo menino que o sistema educacional ainda não conseguiu enxergar por inteiro, fez apenas três aulas de kitesurf e já está “voando” no mar. Esse mesmo João pilota karts e compete em uma categoria acima da idade dele. A pergunta é: como pode um menino capaz de se superar em esportes radicais e que exige tanto foco, concentração e estratégia, ser reduzido na escola a “um aluno com dificuldade”?
O que essa experiência me ensinou é que a alfabetização não pode ser pensada como um processo linear, padronizado, que desconsidera quem é a criança e quais são seus talentos. A escola precisa urgentemente aprender a olhar para o aluno em 360°.
Precisamos colocar em primeiro lugar a saúde mental dessas crianças e a autoestima delas, refletindo sobre quantos bloqueios nós, muitas vezes sem perceber, podemos estar causando.
E sobre isso, eu tenho uma história para contar do meu filho, que hoje tem 18 anos. Ele disse para a neuropsicopedagoga que ama escrever, mas não sabe. Que dor no peito ouvir isso! Quando ele diz que ama escrever, é porque nele existe uma criatividade enorme, e de fato existe.
Ele se senta para fazer uma redação e demonstra uma imaginação fértil, além de uma atenção sustentada que é uma grande potência. Mas, infelizmente, o que acaba sendo avaliado na escola é muito mais a técnica, a pontuação... Enfim, aspectos que hoje a própria inteligência artificial já consegue fazer.
O que precisamos é focar nas habilidades que a tecnologia não vai substituir, a criatividade, a originalidade, a visão crítica, a sensibilidade humana.
Metodologias inclusivas: o caminho possível
Se quisermos melhorar os resultados em alfabetização, não basta repetir os métodos tradicionais. É preciso trazer metodologias inclusivas que:
- Respeitem os diferentes perfis de aprendizagem;
- Usem tecnologia como recurso de apoio (não como substituto, mas como ferramenta de libertação);
- Promovam protagonismo, permitindo que a criança veja sentido no que aprende;
- Integrem saúde e educação, porque muitas vezes as barreiras estão fora do caderno.
No meu artigo publicado nos Anais e apresentado no CONEDU em 2024: “A tecnologia digital na facilitação da aquisição de habilidades de leitura e escrita em língua nativa: um relato de experiência”, compartilhei o relato de experiência do João, que conseguiu escrever sua primeira redação usando um recurso digital, o celular, indicado pelo neuropediatra. Foi um marco na nossa vida, uma prova de que a tecnologia, quando bem orientada, pode abrir portas que pareciam fechadas.
Falar de alfabetização é falar de esperança. É entender que cada criança tem seu tempo, sua forma, suas potências. Que alfabetizar não é só ensinar letras, mas abrir caminhos de expressão. E que metodologias inclusivas não são um “extra”, são a condição para que nenhum aluno seja deixado para trás.
Deixo aqui a reflexão: até quando vamos aceitar uma escola que olha só para as dificuldades e não enxerga as infinitas possibilidades de cada criança?
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